Manutenção Predial: implicações técnicas e jurídicas

INTRODUÇÃO

Em linhas gerais, a manutenção predial pode ser considerada como a terapia técnica para preservar a segurança, o conforto e o desempenho projetados à edificação. Porém, para que essa preservação ocorra, são necessárias inúmeras atividades técnicas e as mesmas implicam em tantas diversas responsabilidades jurídicas.

É de se destacar que boa parte das pessoas desconhece a obrigatoriedade da manutenção e respectiva inspeção predial. Contudo, tal como se verá a seguir, diversos textos normativos já determinam obrigações aos construtores, proprietários e representantes do condomínio, no tocante à inspeção, orientação e implantação da manutenção predial.

As respostas das questões abaixo esclarecem tais implicações.

1) Quais são os textos normativos a respeito da obrigatoriedade da manutenção e inspeção predial ?

Destaque-se, inicialmente, que a ABNT já dispõe, desde 1999, norma para a gestão da manutenção predial. Consoante se verifica no item 8 da NBR 5674/1999 (que sofreu modificações no ano de 2012), o proprietário de uma edificação, o síndico ou empresa terceirizada responsável pela gestão da manutenção devem atender aos requisitos da referida norma, fazendo cumprir e provendo recursos para o programa de manutenção preventiva das áreas comuns. Em relação às obrigações do construtor ou incorporador, a norma determina que seja elaborado e entregue o manual de uso, operação e manutenção da edificação.

No tocante ao manual, a mesma ABNT também editou a Norma de Elaboração do Manual Técnico de Manutenção, Uso e Operação de Edificações, NBR 14.037. Segundo tal norma, compete ao construtor elaborar o manual informando aos usuários as características técnicas da edificação construída, descrever procedimentos recomendáveis para o melhor aproveitamento da edificação, orientar os usuários para a realização das atividades de manutenção e prevenir a ocorrência de falhas e acidentes decorrentes de uso inadequado.

Ao informar o adquirente a forma e periodicidade de como deve ser realizada a manutenção, nasce para os usuários da construção a necessidade de observância dos serviços descritos no manual (sem prejuízo de outros serviços de manutenção estabelecidos nas demais normas técnicas).

Não se olvide que as referidas normas são de observância obrigatória aos construtores, nos termos do art. 39, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor1.

A obrigatoriedade de observância das normas técnicas também é extensiva aos condomínios e adquirentes, a considerar que a ausência de manutenção é circunstância excludente do dever do indenizar, pelo construtor. Assim, não sendo atendidas as manutenções determinadas no Manual de Operação e Uso da edificação, bem com não sendo realizados os registros e comprovações dos serviços de manutenção realizados, o construtor poderá se desobrigar de corrigir eventuais vícios construtivos, uma vez que a manutenção necessária não foi observada pelo(s) adquirente(s), e isso pode ter agravado um pequeno vício, ou gerado outros. A garantia contratual e legal, portanto, depende do cumprimento da manutenção predial pelo adquirente e condomínio.

1 Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas

abusivas: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994) […]

VIII – colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade

Industrial (Conmetro);

Não se perca de vista, ainda, a responsabilidade pessoal do síndico frente à manutenção da edificação. Segundo dispõe o art. 1.348, inciso V, do Código Civil, compete ao síndico “diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns” da edificação.

Ainda a respeito da manutenção predial, destaque-se que, após inúmeras reuniões de trabalho, a ABNT editou, no ano de 2013, a NBR 15.575, intitulada como “Norma de Desempenho em Edificações”.

Referida norma estabelece o desempenho e vida útil que os diversos sistemas prediais que compõem uma construção devem alcançar. Além disso, reafirma as obrigações de manutenção predial pelo Condomínio e adquirentes das unidades, após o recebimento da construção, para que o desempenho e durabilidade sejam mantidos ao longo da vida útil.

Assim, as atribuições e obrigações aos “players” da construção civil começam a ficar mais claras. Enquanto o construtor, ao longo da construção, é obrigado a erigir a obra com base nas normas técnicas, quando da finalização desta, há necessidade de ter alcançado o desempenho construtivo projetado, e a preservação do mesmo ao longo da vida útil depende da manutenção, que é responsabilidade do condomínio

Nesse cenário, as obrigações do construtor não se encerram quando da entrega da obra. A considerar que a construção deve atingir um grau mínimo de desempenho e que a NBR 15.575 também estabelece prazos de vida útil dos sistemas que compõem a construção, resta evidente que o construtor continua tendo obrigações contratuais pós-obra.

Da mesma forma, assim que a construção é entregue e recebida pelo condomínio, nasce a obrigação de observância da manutenção predial das áreas comuns. Também compete a cada um dos adquirentes a manutenção predial da sua unidade autônoma, bem como observar outras determinações, tais como a realização de reformas com a necessária verificação da NBR 16.280/2015 – Reformas em edificações.

A norma de desempenho é um novo marco na construção civil, principalmente como forma de tornar mais claras as responsabilidades da construtora, do condomínio e dos adquirentes.

Contudo, embora as normas acima referidas sejam de caráter obrigatório, é fato que não há uma Lei Federal que trate desses temas. Embora as normas da ABNT sejam de observância nacional, inexiste uma lei federal para tratar: (i) da manutenção predial; (ii) do desempenho mínimo das construções e (iii) da inspeção predial.

De todo modo, alguns estados brasileiros, verificando a importância da manutenção predial, editaram leis estaduais obrigando os condomínios a comprovarem a manutenção das edificações através da inspeção predial. A Lei 6.400 de 05 de março de 2013, editada pelo Rio de Janeiro é um bom exemplo da obrigatoriedade da “autovistoria”.

Segundo se infere da Lei 6.400/2013, fica instituída “a obrigatoriedade de autovistoria, decenal, pelos condomínios ou proprietários dos prédios residenciais, comerciais, e pelos governos do Estado e dos municípios, nos prédios públicos, incluindo estruturas, subsolos, fachadas, esquadrias, empenas, marquises e telhados, e em suas instalações elétricas, hidráulicas, sanitárias, eletromecânicas, de gás e de prevenção a fogo e escape e obras de contenção de encostas, com menos de 25 (vinte e cinco) anos de vida útil, a contar do “habite-se”, por profissionais ou empresas habilitadas junto ao respectivo Conselho Regional de Engenharia, e Agronomia – CREA ou pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro – CAU/RJ” (art. 1º).”

Segundo a Lei, a vistoria deverá ser efetuada por engenheiro ou arquiteto legalmente habilitado no CREA/RJ ou CAU/RJ, sendo obrigado ao profissional emitir o respectivo laudo técnico, acompanhado da ART (art. 1º, § 3º).

Segundo o art. 3º, inciso II, “o laudo conterá a identificação do imóvel e de seu responsável, a metodologia utilizada, as informações sobre anomalias, suas características e prováveis causas, o prazo dentro do qual estarão garantidas as condições de segurança e estabilidade e, sendo o caso, as medidas reparadoras ou preventivas necessárias”.

A iniciativa do Rio de Janeiro vem sendo seguida por outros estados e deverá ser observada com maior cautela pelo Congresso Nacional para que seja editada uma Lei Federal, obrigando todos os estados brasileiros a observarem a manutenção e inspeção predial das edificações.

Certamente o atendimento das medidas necessárias para a correta manutenção predial e a inspeção técnica das edificações evitaria diversos acidentes, tais como os desmoronamentos dos Edifícios Palace II e Liberdade no Rio de Janeiro, incêndio na Boate Kiss em Santa Maria – Rio Grande do Sul, queda da arquibancada no Estádio Fonte Nova em Salvador – Bahia e desabamento do Edifício Itália em São José do Rio Preto – São Paulo, bem como quedas de marquises em diversas cidades, entre outros.

Diante do exposto, ainda que não exista Lei Federal obrigando os condomínios e adquirentes a realizarem a necessária manutenção predial, diversas normas da ABNT e legislações de alguns estados já determinam a obrigatoriedade de serem realizadas a manutenção e inspeção predial. A questão que se impõe é como implantá-las.

2) Como se faz a implantação da Inspeção e Manutenção Predial num condomínio ?

A resposta é complexa, pois na fase inicial da implantação do condomínio, normalmente o primeiro ano, é recomendável que o construtor esteja lado a lado com o síndico, na orientação dos passos iniciais da manutenção e operação do edifício, consoante recomendações do manual das áreas comuns, além de realizar os eventuais e naturais reparos de assistência técnica de todo prédio novo. Nos quatro anos seguintes, ainda na fase da garantia, o construtor vai, paulatinamente, deixando de colaborar na gestão condominial, fornecendo apenas os laudos de inspeção predial da fase de garantia ao síndico, ficando este totalmente responsável pela inspeção e manutenção ao longo do restante da vida útil do edifício.

3) E qual é o instrumento técnico ideal para dirimir eventuais conflitos de responsabilidade entre o construtor e o síndico, ou mesmo facilitar a manutenção?

Sem qualquer dúvida, tal instrumento é o laudo de inspeção e auditoria de manutenção predial, contendo todos os diagnósticos técnicos da manutenção e uso da edificação, a ser produzido por Engenheiro Diagnóstico nos ditames de diretrizes técnicas de instituições especializadas, como aquelas do Instituto de Engenharia, vide a seguir:

Diretrizes Técnicas de Inspeção de Manutenção Predial

[…]

O roteiro de trabalho da Inspeção de Manutenção Predial não é único, porém, como ocorre com a maioria dos trabalhos técnicos investigativos, é recomendável um rumo que possibilite sistematizar as ações mais genéricas, facilitando o desenvolvimento da atividade.

Os procedimentos técnicos de Inspeção de Manutenção Predial devem ser pautados com base nos novos enfoques doutrinários e práticos, estes determinados pelas recentes normas de desempenho e manutenção predial da ABNT, além dos preceitos da moderna doutrina da Engenharia Diagnóstica. As diretrizes técnicas de Inspeção de Manutenção Predial atendem esse anseio de forma inovadora, além de aprimorar o que já ficou consagrado com a boa prática da disciplina, desde a sua implantação no Brasil, em 1999.

A Inspeção de Manutenção Predial é uma ferramenta diagnóstica específica no enfoque da realidade prática da gestão dessa atividade. Determinar o plano adotado, os programas em execução, determinar as falhas de manutenção e irregularidades de uso que prejudicam a edificação, além de fornecer subsídios fundamentais para que o gestor ou representante legal da edificação avalie e aprimore o gerenciamento das ações da manutenção e reformas, é o grande objetivo destas diretrizes. Visa ainda a preservação do patrimônio em sua vida útil, aplicável a todas as edificações, independentemente da tipologia e idade.

[…]

Para realizar as inspeções e auditorias esses Engenheiros Diagnósticos terão que analisar os documentos relativos à manutenção e fazer investigação técnica “in loco”. Essas ações, através das competentes ferramentas técnicas, são disciplinadas pela Engenharia Diagnóstica em Edificações como se pode verificar nas ilustrações a seguir:

E a manutenção predial é atividade complexa, devido à necessidade de análise abrangente das ações dos fatores extrínsecos na edificação (solo, clima, formas de utilização, ataques de insetos e animais peçonhentos, uso indevido.) e intrínsecos (projetos, materiais, execução, etc.), além da análise degradação natural, que incidem numa edificação ao longo do tempo.

Para ilustrar, veja a imagem a seguir, com os fatores extrínsecos e intrínsecos de uma edificação:

Portanto, somente com um bom acompanhamento técnico de todas as fases de implantação da manutenção predial é que se pode avaliar os fatores que influenciam a segurança, o conforto e o desempenho da edificação ao longo de sua vida útil, e esse acompanhamento, devidamente fundamentado e ilustrado, através de laudos técnicos de inspeção e auditoria, sem qualquer dúvida, evitam conflitos e são ações pró ativas para uma boa manutenção.

Vale lembrar que a recomendação técnica ou manutenção inadequada podem gerar a perda da garantia do edifício ou mesmo a condenação penal do construtor ou síndico, como reza o art. 132 do Código Penal Brasileiro, ao determinar que “expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente”, com detenção mínima de 3 meses a um ano, sem embargo dos eventuais ônus pelas indenizações determinadas pelo Código Civil Brasileiro.

Portanto, cabe ao construtor e ao síndico a importante missão de bem implantar, inspecionar e auditar a manutenção predial da edificação nova ou antiga, pois, eventual omissão, é condição injustificável e de consequências gravíssimas.

 

Tito Lívio Ferreira Gomide

Stella Marys Della Flora

Engenheiros do Gabinete de Perícias Gomide

Alexandre Junqueira Gomide

Advogado do Junqueira Gomide & Guedes Advogados

São Paulo, 30 de janeiro de 2017.

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