Engenharia Diagnóstica em Fachadas de Edifícios

Os problemas construtivos em fachadas de edifícios, revestidas de reboco ou revestimentos cerâmicos, são rotineiros e bastante conhecidos no meio técnico. As vistorias para determinar focos de trincas, empolamentos ou desprendimentos de trechos prejudicados são bastante conhecidas dos engenheiros diagnósticos, assim como as inspeções para apontar e analisar elementos estranhos ao sistema, tal como telas, aparelhos de ar-condicionado, antenas de tv, varais e outros acessórios. Também são necessárias inspeções de manutenção, visando analisar rejuntes degradados, com sujidades ou com vegetação, ou ainda nas juntas trincadas ou ressecadas por falta de manutenção ou substituição.

Na sequência das investigações diagnósticas de vistorias, inspeções e auditorias vêm as perícias para a determinação dos diagnósticos desses problemas, bem como as consultorias para indicar os procedimentos de reparos. Os procedimentos das perícias judiciais, incluem os estudos das ferramentas anteriores (vistorias e inspeções), análises documentais e interpretações técnicas aprofundadas, para o bom resultado dessas investigações e determinações dos diagnósticos corretos.

As investigações técnicas de Engenharia Diagnóstica não estabelecem uma única ordem de atividades, mas, seguir o roteiro tradicional de progressão das ferramentas, costuma ser boa medida nas perícias judiciais.

Progressividade das ferramentas diagnósticas

 As vistorias preliminares são recomendadas para bem determinar a idade do sistema e os focos dos problemas nas fachadas, seguidas das inspeções técnicas com as análises dos riscos e condições físicas, bem como das auditorias do projeto, execução e materiais especificados no memorial descritivo e demais documentos, em conformidade, ou não, ao que foi instalado. Idem com a auditoria de manutenção realizada, em conformidade, ou não às recomendações dos respectivos manuais de manutenção. As investigações podem exigir ensaios e testes, se necessário.

Fluxograma das investigações técnicas

A idade das fachadas é a primeira investigação técnica a ser produzida, pois é evidente que o sistema de fachada novo possui desempenho muito superior ao sistema mais antigo. E a manutenção é a segunda investigação a ser realizada, visando estabelecer o nível de degradação ou desempenho. Tal qual o ser humano, o edifício envelhece e surgem problemas de “saúde-qualidade” que precisam ser analisados e mensurados na perícia judicial.

Após as vistorias, inspeções e auditorias, pode-se iniciar as interpretações daquilo que já foi apurado, principalmente de duas constatações fundamentais: a idade e a manutenção, como ficou bem exposto acima. Após a fase de garantia, a idade (superior a 5 anos) sempre vai exigir interpretações da degradação e da manutenção executada, o que possibilitará estimar o real desempenho das fachadas. Nesse sentido, importante se reproduzir as sábias considerações de Jerônimo Cabral Pereira Fagundes Neto e Carlos Pinto Del Mar:

 

A deterioração precoce pode ser instalar quando a manutenção é negligenciada ou pelo uso inadequado.

A necessidade de manutenção está vinculada diretamente com a vida útil dos materiais e de que forma é feita essa manutenção, com reflexos na durabilidade. Para um mesmo material, uma manutenção mais ou menos frequente, pode estender ou diminuir a sua durabilidade […]

A manutenção pode elevar e estabelecer o desempenho da edificação acima de um patamar mínimo de exigência dos usuários. Da negligência da manutenção pode ser estabelecido um nível de desempenho insatisfatório, do ponto de vista do usuário.

A demora na execução da manutenção, na maioria das vezes gera a elevação dos custos de manutenção por agravar problemas e favorecer a ocorrência de efeitos colaterais.

A atribuição de responsabilidade será identificada através do laudo e está intimamente relacionada à origem das anomalias, associada à fase da construção.

Os trabalhos de manutenção poderão ser minimizados e o desempenho maximizado, dependendo da eficiência do controle da execução, durante a construção do edifício. Ao mesmo tempo, a manutenção efetiva das edificações recomenda a elaboração do diagnóstico correto das manifestações patológicas, para não se incorrer no risco de “mante-se os problemas ao invés do edifício”.

(Livro Perícias de Fachadas em Edificações – Págs. 87 a 90 – editora Leud)

 

É dever do adquirente utilizar o produto ou serviço adequadamente, ou seja, de acordo com os fins a que ele é destinado, bem como promover a sua manutenção, nos termos especificados pelo fornecedor. Se o agente usa inadequadamente o produto ou não segue as regras de manutenção do fabricante, vindo a sofrer prejuízo, não se pode pretender responsabilização dos fornecedores, pois o dano ocorreu por sua culpa exclusiva.

[…]

As edificações, como salientado na NBR 5674, da ABNT, referente à Manutenção de Edificações, apresentam características que as diferenciam de outros produtos: são construídas para atender usuários durante muitos anos e, ao longo desse tempo, devem apresentar condições adequadas de uso a que se destinam, resistindo aos agentes ambientais e de uso que alteram suas propriedades técnicas iniciais. O proprietário de uma edificação, responsável pela sua manutenção, deve observar o estabelecido nas normas técnicas e no manual de operação, uso e manutenção de sua edificação, se houver.

Procedimentos de manutenção deficientes ou, na maioria das vezes inexistentes agravam o processo de deterioração, aumentam os custos de reparação, quando não reduzem a vida útil dos sistemas e da própria estrutura. Segundo Souza, a má conservação é um dos fatores que mais contribuem para o surgimento de sintomas patológicos nas estruturas ou para a ocorrência de acidentes estruturais.

(Livro Falhas, Responsabilidades e Garantias na Construção Civil – Págs. 39 e 40 – editoras PINI e Método)

 

Nas perícias judiciais, geralmente, os edifícios possuem mais de cinco anos e manutenção nula ou precária, o que precisa ser considerado como fatores concorrentes nos problemas, ou mesmo, como fatores principais, causadores ou aceleradores de anomalias, em muitos casos. A degradação natural e a falta de manutenção precisam ser estimadas, pois sempre são fatores contribuintes das manifestações patológicas, mesmo daquelas construtivas mais destacadas como argamassas pulverulentas, cerâmicas com alto teor de absorção de umidade, som cavo por falta de aderência do reboco e outras.

Com os eventuais resultados dos ensaios e testes, os elementos de convicção podem ser acrescentados aos vestígios das vistorias e inspeções realizadas, tudo com as devidas interpretações. Os ensaios e testes são bastante úteis em perícias de edificações novas, onde a degradação e a manutenção podem ser reduzidas como fatores causadores de manifestações patológicas, porém em prédios em uso e antigos, não, como exposto anteriormente.

Os resultados e testes laboratoriais costumam ser interpretados por alguns peritos exclusivamente pelas normas técnicas, o que é bastante discutível, pois as normas apresentam exigências de valores para materiais e edificações novas, nada apontando para materiais e edifícios antigos, o que é um grande complicador nas perícias.

Portanto, além das constatações in loco e resultados de ensaios e testes, as perícias em fachadas exigem análises e interpretações importantes, pois os fatores idade e manutenção, não são considerados nas normas da ABNT. Os peritos experientes não se limitam a apontar auditorias entre os resultados dos ensaios/testes com as exigências normativas. Há de se interpretar e bem ponderar todas as apurações das investigações técnicas para bem concluir e fundamentar um laudo.

As origens dos problemas construtivos devem ser devidamente determinadas e expostas em quadro técnico para que os leigos possam avaliar de forma generalista a situação técnica, sugerindo-se o seguinte:

Exemplo de aplicação do quadro técnico

 

 

As inspeções das fachadas no decorrer das perícias judiciais, portanto, são fundamentais para que todos os fatores concorrentes sejam mensurados, quer aqueles intrínsecos (da própria construção), quer aqueles extrínsecos (manutenção, uso e degradação natural). Em artigo de autoria do infraassinado, publicado em 2016, já se evidenciava a importância desse particular, como se reproduz a seguir:

 

INSPEÇÃO EXTRÍNSECA

Quanto à inspeção extrínseca ou de manutenção e uso predial, a mesma deve focar a gestão, planejamento e operação da manutenção, e a degradação gerada pelo uso e meio ambiente. Essas vertentes estão bem caracterizadas nos itens das normas de manutenção e desempenho da ABNT.

Dessa forma, é evidente que a inspeção da manutenção e uso predial deve ser o principal foco normativo da atualidade, principalmente aquele da ABNT. O Instituto de Engenharia saiu na frente e já elaborou e publicou suas Diretrizes Técnicas de Manutenção e Uso Predial, atendendo as doutrinas técnicas, os princípios da Engenharia Diagnóstica e, principalmente, cobrindo a enorme lacuna que existia para esse tipo fundamental de inspeção de engenharia.

A inspeção de manutenção requer a análise da gestão, planejamento e operação. Quanto ao uso, deve-se avaliar a adequação, a intensidade e a produtividade. As influências das condições climáticas e particularidades do solo, ar é água, além dos fatores e agentes biológicos, devem ser analisados para se determinar a degradação. Os danos extrínsecos, devido às eventuais falhas de manutenção, irregularidades de uso e degradação precoce interferem na vida útil projetada e devem ser devidamente diagnosticados.

(Livro Engenharia Legal 5 – pág. 80 – Editora Leud)

 

Portanto, são praticamente inexistentes os casos em que há somente uma origem dos problemas de fachadas nas edificações antigas/em uso, ou após a garantia, o que exige interpretação desses problemas extrínsecos e intrínsecos, bem como dos respectivos pesos de causalidade nos problemas do sistema de fachadas.

No gráfico a seguir está representada a importância dos fatores tempo e manutenção na “saúde/qualidade” de qualquer edificação e seus sistemas, incluso o sistema de fachadas. Nele se revela que, com as quedas de desempenho e a realização das recuperações com a manutenção, o tempo e a falta de manutenção são fatores que comprovam a degradação e a perda de desempenho ao longo da vida útil da edificação (curvas em vermelho e verde do gráfico). O que se dizer de prédios sem manutenção ou manutenção precária? Para esses casos, a curva destacada em roxo demonstra que a vida projetada seria atingida antes da vida útil inicialmente projetada.

Gráfico – Desempenho com e sem manutenção

Fonte: Revista Técnico-Científica do CREA/PR – ISSN 2358-5420. 1ª edição. Out. 2013

 

Sabendo-se que a vida útil média de um sistema de fachadas é de aproximadamente 40 anos, as perícias devem considerar o período consumido do sistema até a eventual reparação, como percentual a ser excluído de indenização, principalmente se não houve manutenção no período. Admitindose, por hipótese, que a perícia seja realizada após 20 anos do prédio em uso, e que a reparação determine a substituição de percentual de 15% dos revestimentos cerâmicos das fachadas de um prédio sem manutenção, mas com problemas de aderência das placas cerâmicas por má execução ou outras anomalias construtivas, entende-se justo excluir 50% dessa indenização ao construtor, pois 50% da degradação foi devido a vida útil consumida, e talvez, mais um outro percentual ainda, pela falta de manutenção que agravou a manifestação patológica construtiva, no período consumido. Nessa hipótese, dentro da reparação de 15% da fachada, o condomínio será responsável direto por, no mínimo, metade do problema, ou seja, 7,5% da recuperação dessa fachada e os outros 7,5% serão de responsabilidade do construtor. No tocante aos demais 85% das fachadas íntegras, mas degradadas pelo tempo e falta de manutenção, s.m.j., o justo é excluir o construtor de qualquer reclamação futura, pois o tempo decorrido, 20 anos sem manutenção, comprovou adequada qualidade dos serviços e materiais aplicados na entrega do prédio. Tal situação de perda do desempenho dos 85%, evidentemente, decorre da circunstância da idade e ausência de manutenção do sistema nos 20 anos, o que indica provável redução da sua vida útil projetada de 40 anos, mas cuja responsabilidade não pode ser atribuída ao construtor.

Sabendo-se que o sistema de fachadas com manifestações patológicas, em geral, não impede o bom uso da edificação, ou seja, o sistema funciona mesmo nessa hipótese, um bom cálculo da indenização de reparos deve evitar abuso ou enriquecimento ilícito ao condomínio.

Um paralelo dessa situação pode ser aquele de um consumidor de pneus que vá reclamar uma pequena anomalia na bandagem dos pneumáticos, após rodar 30.000 km, com pneus projetados para uma vida útil de 60.000 km. Deve o fabricante substituir os quatro pneus com “defeito” por novos, ou indenizar o consumidor com 50% do valor dos pneus? S.m.j., a indenização de 50% é o apropriado, pois a outra hipótese poderia se configurar como enriquecimento ilícito.

Portanto, considerando que a idade, o tipo de uso, as influências climáticas e a qualidade da manutenção são fatores que sempre incidem na degradação da edificação, além das eventuais manifestações patológicos por problemas de origem endógena, percebe-se que as perícias em fachadas de edificações dificilmente terão diagnóstico de uma única causa, pois haverá duas ou mais causas concorrentes, cabendo ao experiente Engenheiro Diagnóstico bem interpretá-las, bem separá-las e bem avaliá-las, para que se faça Justiça na distribuição de responsabilidades.

 

Tito Lívio Ferreira Gomide

Engenheiro Diagnóstico do Gabinete de Perícias Gomide Sócio do Instituto de Engenharia.

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