Tito Lívio Ferreira Gomide e Stella Marys Della Flora
A pergunta formulada por um sábio traz metade da resposta.
Shlomo Ibn Gabirol
A prova pericial visa apurar a verdade do fato, mas raramente a verdade é pura, e nunca simples (Oscar Wilde). Porém, através de questionamentos lógicos e objetivos é possível se chegar a uma boa resposta pericial, mesmo sabendo que toda questão tem dois lados (Protágoras).
Estabelecida na seção “X” do Código de Processo Civil – CPC (art. 464 a 480), a prova pericial faculta às partes “apresentar quesitos” (item III do art. 465), bem como determina que “as partes poderão apresentar quesitos suplementares durante a diligência, que poderão ser respondidos pelo perito previamente ou na audiência de instrução e julgamento” (art. 469). Nessa seção também consta o art. 470, que incumbe ao juiz: (i) indeferir quesitos impertinentes e (ii) formular os quesitos que entender necessários ao esclarecimento da causa.
A formulação dos quesitos é uma das principais atividades dos peritos, requerendo conhecimento, experiência e, principalmente, visão estratégica do processo. Saber buscar a verdade dos fatos é o objetivo principal, mas também é necessária a boa defesa das partes, e isso é tarefa que exige pesquisa e atenção na formulação de quesitos.
Nesse sentido, nada melhor do que a boa parceria perito/advogado para tal mister. O advogado conhece as leis e o objetivo processual com profundidade. Já o perito conhece as normas técnicas, a doutrina, os regulamentos e os manuais de procedimentos das investigações técnicas. Assim, recomenda-se parceria das duas atividades, Direito e Perícia, na missão de elaborar os bons quesitos.
Percebe-se que a prova pericial depende de bons quesitos para atender ao seu objetivo. Mas, como formular quesitos? Quem deve elaborá-los? Qual a quantidade, abrangência e objetivo dos quesitos?
Como exposto, o ideal é a parceria perito/advogado para elaborar os quesitos. No tocante à quantidade e abrangência, é recomendado bom senso e moderação, sendo condenável a escassez ou o excesso. O principal é a objetividade e a estratégia. Nesse sentido, recomenda-se analisar em cinco vertentes:
- A apuração do fato;
- A análise técnica;
- A auditoria;
- A determinação da causa e fundamentação técnica;
- O destaque técnico do objetivo do Juízo e a estratégia da parte.
Evidentemente, há vários tipos de perícias, cada qual com suas particularidades, mas, sem qualquer dúvida, a investigação técnica é a principal fonte de informação ao perito. Assim, pode-se indicar a Engenharia Diagnóstica como bom roteiro no passo a passo para a elaboração dos quesitos pelo perito.
A Engenharia Diagnóstica no âmbito judicial recomenda cinco ferramentas no desenvolvimento pericial, quais sejam:
No presente artigo apresenta-se exemplos de perícias de Engenharia[1] e Grafoscopia[2], mas o conceito do passo a passo pode ser o mesmo para outros tipos de perícias, como a contábil, a médica etc.
1) O primeiro passo é conhecer o fato/objeto da perícia por meio da vistoria. E já se pode sugerir quesitos nesse sentido, tais como:
Perícia de Engenharia:
< qual é o tipo de edificação (comercial, residencial, hospitalar…)?
Perícia de Grafoscopia:
< qual é o tipo de documento questionado (nota promissória, cédula de identidade, testamento…)?
2) No segundo passo, com a investigação técnica avançando para a análise do objeto pericial, os quesitos visam a obtenção de dados técnicos da origem, especificação, qualidade, tais como:
Perícia de Engenharia:
< qual é o estado de conservação da edificação?
< quais são os graus de risco das manifestações patológicas presentes na edificação?
Perícia de Grafoscopia:
< qual são as especificações do suporte, impressão e grafismo do documento examinado? São verificadas anormalidades ou alterações no documento?
3) No terceiro passo, a investigação técnica avança para a auditoria, ou seja, para a comparação técnica com boas referências, tais como:
Perícia de Engenharia:
< as medidas dos cômodos da edificação correspondem àquelas da planta aprovada na municipalidade?
< as especificações dos materiais hidráulicos instalados na cozinha e banheiros correspondem ao que determina o memorial descritivo?
Perícia de Grafoscopia:
< os elementos de ordem geral e genética da assinatura da peça de exame são convergentes ou divergentes aos padrões de confronto?
4) No quarto passo, a determinação da causa e fundamentação do fato sobre o objeto é o objetivo, tal como:
Perícia de Engenharia:
< qual é a causa do recalque no piso da sala da edificação?
< os vazamentos da laje do pavimento térreo decorrem de falhas na impermeabilização ou da captação das águas pluviais? Trata-se de erro de projeto ou execução?
Perícia de Grafoscopia:
< a assinatura da peça de exames é autêntica ou falsa? Em caso de falsidade, pede-se indicar o tipo de falsificação, bem como justificar, apontando as principais divergências dos elementos técnicos.
< quais são as causas das rasuras e lavagem química da peça de exame? São alterações de correção ou adulteração?
5) O quinto passo, definido por estratégias, quer no objetivo do juiz, ou defesa da parte, podem ser os seguintes:
Perícia de Engenharia:
< qual é a causa do vazamento no teto do banheiro do apto? (Juiz)
< o vazamento no teto do banheiro é decorrente de erros na execução dos serviços, por parte do Construtor? (Assistente Técnico 01)
< o vazamento no teto do banheiro é decorrente de entupimento ou falta de manutenção na instalação hidráulica do apartamento no andar superior? (Assistente Técnico 02) Perícia de Grafoscopia:
< A rasura da palavra “contrato” no texto altera o conteúdo do documento? Caso negativo, pode-se concluir que foi mera correção?
< O acréscimo do algarismo “1” no valor original “74”, alterado para “174”, evidencia fraude documental?
A formulação de quesitos com o devido planejamento e estratégia favorece a prova técnica em todos os sentidos, quer auxiliando o Juízo na sua decisão, quer defendendo as partes, pois a visão geral da plena “apuração da verdade” transparece na perícia judicial.
Destaque-se que tais cuidados evitam os quesitos impertinentes que fogem dos objetivos técnicos e legais, e que devem ser indeferidos pelo Juízo, como é previsto no CPC. O indeferimento é comum no meio processual e, como exemplo, recorda-se antigo caso quando o Juízo acolheu, em parte, a impugnação dos 330 quesitos apresentados por uma das partes, na medida em que exorbitavam do cerne dos pontos controvertidos fixados no processo, sem embargo da quantidade excessiva, muito prejudicial à perícia.
Parte dos quesitos foram impugnados, pois pautavam o método do trabalho do jusperito, retirando a indispensável liberdade de investigação do Louvado. Exemplo de quesito impertinente na área de engenharia, nesse sentido, pode ser o seguinte:
- Pede-se ao Sr. Perito observar exclusivamente as normas técnicas da “Associação YYYYYYY” e do “Instituto XXXXXX” na condução dos seus trabalhos.
Outra parte dos quesitos foi impugnada, pois requeria opiniões e fundamentações sobre normas técnicas, sem necessariamente indicar relação com a edificação, além de solicitar a consideração pelo perito de normas não oficiais que, consequentemente, não são de uso obrigatório do Louvado. Exemplos de quesitos desse tipo na área da engenharia, podem ser os seguintes:
- Pede-se ao Sr. Perito confirmar se as normas técnicas chinesas, referentes a ventilação, ZAP-99 e RR-66, estão corretas e podem ser aplicadas no caso em questão?
- As normas russas XX-9876 podem justificar o erro de projeto em questão?
No tocante às perícias grafoscópicas os quesitos impertinentes podem ser os seguintes:
- Pede-se ao Sr. Perito informar se as assinaturas do contrato foram exaradas com caneta esferográfica da marca BIC. Em caso negativo, de qual marca de fabricante era a esferográfica?
- Os rabiscos do quadro negro foram lançados durante a aula, ou logo após a aula?
E, por fim, o §3º do art. 477 determina que “se ainda houver necessidade de esclarecimentos, a parte requererá ao juiz que mande intimar o perito ou assistente técnico a comparecer à audiência de instrução e julgamento, formulando, desde logo, as perguntas, sob a forma de quesitos.” E, nessa hipótese, recomenda-se ao Perito Judicial levar as respostas por escrito, para evitar as normais pressões dos advogados na audiência. Geralmente os juízes aceitam as respostas por escrito do Louvado, dispensando o mesmo da audiência.
Mas, além de bons quesitos, as respostas aos quesitos devem ser conclusivas e constar de laudo fundamentado consoante item IV do art. 473 do CPC e, como bem ensina Gildo dos Santos no seu livro “A Prova no Processo Civil”, edição Saraiva de 1975, “laudo sem motivação, sem fundamentação, não se presta para embasar sentença judicial, ainda que se trate de laudo de perito, isto é, do perito do juiz.” (pág. 64).
E o renomado Gildo dos Santos também destaca que:
Sempre as indagações devem cingir-se ao objeto da perícia. É comum, entretanto, as partes, até mesmo, às vezes, por excesso de zelo de seus patronos, apresentarem quesitos incabíveis, porque fora do alcance da prova pericial ou porque dependem de conhecimento comum (testemunhas) e não de quem tenha conhecimento especializado. Nesse caso, o juiz, haja ou não impugnação da parte contrária, pode e deve indeferir dos quesitos impertinentes. (pág. 58)
Elaborar quesitos, portanto, requer estudo, bom senso, experiência, conhecimento, estratégia e, principalmente, pertinência.
São Paulo, 20 de fevereiro de 2024
Tito Lívio Ferreira Gomide Stella Marys Della Flora
Peritos do Gabinete de Perícias Gomide
[1] Mais especificamente a área da engenharia civil.
[2] Grafoscopia é a disciplina que tem por finalidade determinar a origem do documento gráfico (verificação de autenticidade ou determinação da autoria de um determinado documento) – Fonte: Livro Manual de Grafoscopia. 4ª edição. Editora Leud. 2023.